Transformar a vida das mulheres negras para transformar a sociedade

Em 2019, quando a filósofa e militante de movimentos sociais norte-americana, Angela Davis, veio ao Brasil ela realizou diversas palestras. Em uma delas, foi proferida a seguinte frase: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Desde então, a frase tem sido utilizada nos mais diversos contextos. Mas, é necessário perguntar: porque essa afirmação é tão impactante considerando a realidade brasileira? Qual o verdadeiro significado do que foi dito por Angela Davis?

Considerando os estudos e a atuação de Angela Davis e as lições de outras feministas negras, podemos entender que sua afirmação parte de duas questões principais: a primeira diz respeito às condições sócio econômicas das mulheres negras e a segunda ao potencial transformador da ação das mulheres negras que vêm se organizando coletivamente.

As mulheres negras são o maior grupo demográfico no Brasil, elas compõem 28% da população brasileira, mas são aquelas que têm as piores condições de trabalho. Os salários de mulheres negras correspondem a menos de 50% do salário de homens brancos, além disso elas são as que menos ocupam postos de liderança no mercado de trabalho: apenas 6,6% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres negras. A violência de gênero também acomete mais as mulheres negras: no primeiro semestre de 2020, 75% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras.

Em contrapartida, também é notável o potencial inovador e transformador das mulheres negras. Em “A Liberdade é uma luta constante”, Angela Davis (2018) defende que há um potencial transformador para toda a sociedade nas reivindicações das mulheres negras, em contradição com as características individualistas e egoístas do momento atual. O que vemos é que as mulheres negras dedicam um esforço em sua atuação no mundo que enfrenta não apenas estruturas ligadas à sua condição de mulher, mas também de sua condição racial e de classe. A mulher negra vem atuando não apenas na defesa de sua vida, mas também na defesa da vida de seus companheiros de raça e de suas irmãs brancas. 

Considerando essas condições é que somos obrigadas a concordar que a melhoria das condições de vida das mulheres negras movimenta não apenas suas vidas, mas também a vida de outros grupos sociais que vêm sendo oprimidos. A melhoria das condições de vida do maior grupo demográfico brasileiro impacta positivamente as condições de vida de tantos outros que estão vinculados às mulheres negras.

Mas, acima de tudo, proporcionar melhores condições materiais de vida às mulheres negras – com trabalho digno, melhores condições de estudo, proteção social contra a violência – é capaz de potencializar sua resistência e fazer avançar um projeto de equidade social capaz de revolucionar toda a estrutura social. 

Partindo dessa perspectiva, é que o Fundo Agbara se estrutura e convoca todos aqueles que se comprometem com a luta antirracista a se engajarem no nosso projeto. Não apenas em nome do projeto de algumas mulheres, mas em nome de uma transformação que acreditamos que só pode acontecer se forem enfrentados o machismo e o racismo que se colocam como barreira à vida das mulheres negras.