Quantas décadas mais serão necessárias para que os objetivos de igualdade racial definidos em Durban saiam do papel?
Por Júlia Mota, Especialista em Advocacy do Fundo Agbara

Em abril de 2025, o Fundo Agbara participou da 4ª Sessão do Fórum Permanente de Afrodescendentes, órgão estabelecido formalmente pela ONU em 2021, após recomendação da Assembleia Geral da organização em 2014.
O Fórum foi criado como um espaço consultivo para que a ONU acompanhasse, em nível global, o progresso dos países na implementação de ações ligadas à Primeira Década Internacional dos Afrodescendentes — instituída com o objetivo de impulsionar a Declaração e o Programa de Ação da Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, África do Sul, em 2001. Essa primeira década teve início em 2015 e foi encerrada em 2024.
Na 3ª Sessão do Fórum, em 2024, foi proclamada a Segunda Década Internacional dos Afrodescendentes. A justificativa: embora os avanços dos países para equidade racial tenham sido importantes, ainda são insuficientes. A continuidade da agenda é fundamental para manter o tema em destaque na geopolítica internacional.
Diante disso, o Fundo Agbara levou à 4ª sessão do Fórum uma provocação central:
Quantas décadas mais serão necessárias para que os objetivos de igualdade racial definidos em Durban saiam do papel?
Quantas décadas mais até que os direitos civis, sociais e econômicos das pessoas afrodescendentes deixem de ser violados pelos Estados e pelas instituições?


Enquanto o Fórum se mantém como um espaço essencialmente consultivo, outros órgãos da ONU — como a Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) — têm poder normativo, orçamentos robustos e influência direta sobre o Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC). Já o Fórum Permanente de Afrodescendentes opera com recursos limitados e pouca visibilidade, ainda que ofereça insumos importantes ao Conselho de Direitos Humanos, um órgão subsidiário.
Essa configuração torna o Fórum um espaço limitado frente às demandas urgentes da sociedade civil negra, que exige respostas concretas e ações imediatas diante das violações históricas que nos atingem.
Apesar disso, a sociedade civil negra brasileira tem se mobilizado fortemente no Fórum — o que pode ser altamente estratégico, se as oportunidades forem bem aproveitadas.
Nesse contexto, o Fundo Agbara — que em 2025 participou do Fórum pelo terceiro ano consecutivo — tem se dedicado a ampliar o impacto dessa participação. Reivindicamos que o Fórum tenha mais força dentro do sistema das Nações Unidas e que influencie outras agendas cruciais para o avanço da principal bandeira da Declaração de Durban: reparação e restauração para afrodescendentes.
Para além das reivindicações nas assembleias oficiais do Fórum, o Fundo Agbara também aproveitou a agenda para realizar um evento paralelo, em parceria com o CEERT, Kilomba Collective, Culinary for Social Change e Benka Technologies. Esse encontro teve como objetivo oferecer um ambiente de articulação para a criação de um arquivo digital que reúna histórias, experiências e soluções protagonizadas por mulheres negras do Sul Global, com o apoio da Universidade de Michigan. A atividade foi uma ação preparatória para o Fórum Black Women Shaping Afrofutures, iniciativa que realizamos desde 2024 com o intuito de reunir mulheres negras do Sul Global para, juntas, pensarmos nos futuros possíveis e desejáveis para nossas agendas prioritárias.

Em suma, é fundamental que os debates do Fórum Permanente de Afrodescendentes sejam projetados para além de suas fronteiras, ecoando os nossos gritos, reivindicações e apelos. É preciso que os debates deste espaço dialoguem com pautas como tributação internacional, justiça climática e justiça econômica.
Também é urgente que os movimentos negros brasileiros estejam presentes de forma mais articulada. Embora sejamos múltiplas vozes e pautemos diferentes agendas, ocupar esse espaço também representa uma possibilidade de construção de estratégias políticas coletivas.
Avançar em direção à justiça e reparação global exige instâncias com mais poder político e influência dentro da ONU. Exige articulação entre nossas vozes e uma presença estratégica e efetiva que cobre medidas concretas.
O Fundo Agbara segue comprometido em ampliar a presença e a força política de mulheres negras do Sul Global em espaços como o Fórum Permanente de Afrodescendentes. Estar nesses espaços permite que a agenda da justiça racial brasileira influencie decisões globais, impactando políticas públicas, fluxos de financiamento internacional e marcos normativos.
Mais do que uma demanda de justiça social, essa atuação é um movimento estratégico por reparação racial e redistribuição de poder. Apoiar nossa causa é uma escolha estratégica para quem acredita na liderança negra como força capaz de transformar estruturas e produzir impacto social real.
Para encerrar esta reflexão, deixamos um trecho das falas que levamos ao Fórum:
“Quando compreendemos políticas públicas não como um fim em si mesmas, mas como campos de disputa por decisões e prioridades, percebemos que a não ação também é uma política pública.
Negligenciar um problema histórico e estrutural é, sim, uma escolha política.O que enfrentamos hoje, portanto, é uma política global que, ao ignorar as marcas do colonialismo, da escravidão, do racismo e do capitalismo, atua intencionalmente pela necropolítica — a política que decide quem pode viver e quem deve morrer.
Os mesmos sistemas que concentram riqueza controlam hoje nosso futuro digital. As big techs, que acumulam bilhões enquanto reproduzem violências racistas em seus algoritmos, são herdeiras diretas dessa lógica colonial. […]
Porque justiça econômica é justiça racial.
E sem justiça racial, não há futuro possível.”